Vamos começar uma proposta de abordagem do Tarot e de outros instrumentos oraculares como o I Ching que não é divinatória, embora essa metodologia também seja viável. Aqui, vamos considerar tais sistemas de símbolos como “alfabetos” que tentam expressar uma linguagem não-sequencial, ou seja, “sincronística”.

Afinal, é isso que se procura quando alguém tenta fazer uma “consulta ao I Ching”. O que se faz é uma pergunta na linguagem humana, e essa pergunta recebe uma resposta em um outro tipo de linguagem, que dá uma resposta significativa para o momento presente, mesmo quando trata do instante futuro.

Por isso, tratando cada arcano do Tarot, seja maior ou menor, como um “fonema” ou “vocábulo” dessa linguagem sincronística. E o primeiro dessa jornada é a carta “O Enforcado”.

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Você está se sentindo de alguma forma preso em uma armadilha, estagnado e sem saída? Tem a impressão de que é incapaz de avançar ou tomar decisões em sua vida? Seus esforços para escapar de uma crise parecem apenas aumentar a confusão? Então, a sua situação é representada pelo 12º arcano maior do Tarot, conhecido por “O ENFORCADO”.

Em todas as ilustrações tradicionais desse arcano, uma figura está suspensa de cabeça para baixo, com os braços amarrados para trás e uma das pernas presa por uma corda, enquanto a outra perna pende solta. Apesar da situação sugerir uma punição, de regra o semblante da pessoa assim pendurada não expressa desespero. É com esses elementos pictóricos que O Enforcado simboliza sacrifício, rendição e deixar-se levar.

O personagem central desse arcano indica uma sensação de estar preso ou estagnado, incapaz de avançar ou tomar decisões. Também pode sugerir a necessidade de termos paciência e de suportarmos o desconforto temporário para alcançar objetivos de longo prazo. Muitas vezes, esse arcano aparece em leituras para indicar um momento de pausa, reflexão e reavaliação de nossas crenças e prioridades. Com as mãos amarradas para trás, O Enforcado sugere que devemos primeiro renunciar a nosso ego, desapegar-nos de nossas posses e desejos materiais para abraçarmos uma nova perspectiva.

A posição invertida da figura sugere uma mudança radical de perspectiva. O Enforcado incentiva-nos a abandonar velhos padrões, crenças e maneiras de fazer as coisas e abordar situações com uma mente aberta. Essa carta também pode significar uma necessidade de darmos um passo atrás para deixar as coisas se desdobrarem naturalmente em vez de forçar resultados. Há o ditado que fala em “dar corda para se enforcar”, o que sugere uma atitude de auto-contenção em que deixamos a fonte de nossos problemas criar um cenário que compromete a si mesma até fechar seu ciclo de poder, quando então sua influência em nossas vidas acaba.

Na versão do Tarot feita por Waite e Raider (acima), O Enforcado apresenta uma espécie de luz que emana de sua cabeça, como um tipo de auréola. É comum o enforcado ser associado à figura de Cristo na cruz e, portanto, como fase que precede o renascimento. Alejandro Jodorowsky, estudando a versão do no Tarot de Marselha (abaixo), bem mais antiga, observa que o personagem central desse arcano está de cabeça para baixo como um bebê prestes a nascer.

Ainda na versão de Marselha, também que a corda que segura o personagem tem um pequeno triângulo no ponto que prende uma das pernas. O único contato do personagem com o chão é indireto, feito através da corda que, por sua vez, conecta-se com a estrutura de madeira presa ao chão. Como Jodorowsky também observa, o triângulo é o símbolo da espiritualidade, de modo que a imagem sugere que a única coisa que sustenta a figura central d’O Enforcado são as conexões com o “mundo espiritual”, o que pode ser confirmado pelos dez botões circulares na roupa do personagem, associados aos dez sefirot da cabala, as dez emanações da luz de Deus no universo. Os bolsos do traje, invertidos, formam uma lua minguante e uma lua crescente, sugerindo que uma etapa de término é seguida por um recomeço.

O Enforcado, portanto, representa um tempo de transição ou transformação, exortando-nos à renúncia dos apegos do ego e à abertura para a espiritualidade. A carta incentiva a ganhar uma nova perspectiva e abordar as coisas de uma nova maneira, liberando velhas crenças ou padrões de comportamento que não servem mais à pessoa. Por fim, o Enforcado ensina que entregar o controle e abraçar o desconhecido pode levar ao crescimento, sabedoria e compreensão.

Maria Alice Oliveira
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